sexta-feira, fevereiro 06, 2009

Funciona mais ou menos assim






Seu hd trava, então você começa a procurar um técnico ou uma empresa competente que possa resgatar seus arquivos das trevas. Após uma pesquisa empenhada, você resolve apostar naquele site: “Garantimos recuperação total dos seus arquivos! Confie em quem tem experiência. Profissionalismo, sigilo (te chamam sorrateiramente de tarado), bom atendimento e atenção é nossa prioridade”.

É lá, beleza! Você embrulha cuidadosamente seu hd, coloca na mochila, pega o ônibus, enfrenta engarrafamento, ri do bigode no cartaz publicitário, agüenta com trema o cheiro de cêcê da gorda que te espreme contra a janela, lembra do ano de trabalho perdido (só gente chata faz backup de tudo) e desce no coração de Copa.

Uma simpatia a dona da loja. Quanto sorriso! Como é bom, é sempre um prazer ser bem tratado, ou simplesmente ser tratado como a situação exige. Quem escancara o bolso merece. “Claro, recuperaremos tudo, com certeza”. Tudo? “Tudo, os cento e oitenta e quatro gigas, sem problema, estamos acostumados.”

Chegando em casa você percebe que aquela pasta que você mais precisa não está em nenhum dos dvs de backup fajutos, brilhantes e idiotas como você que te deram junto com um obrigado ressecado ao sair. Já é tarde, a empresa fechou às sete da noite e agora são dez horas em ponto, e você não está na globonews.

Na manhã seguinte, quatro xícaras de café, a Letícia Sabatela a sorrir esplendidamente no caderno cultural, e você está pronto, e devidamente preparado para manter a calma coesa e concretista, e, caso precise, declamar a lista de argumentos concretos que você preparou na sua cabeça para que ninguém na loja deixe de reconhecer o errus operandi, ou esboce a malemolência de se esquivar da obrigação de terminar uma josta de serviço inacabado e caro. Você preparou uma dose de culpa a ser entornada nos ouvidos da gerente caso ela te torre o saco com lorotas esfarrapadas. Orgulhosa e consciente dos serviços que oferece, e do que promete, e provavelmente fragilizada pela periclitância dos negócios, ela não nega, não nega mas também não fala, passa para um subalterno (quando um cliente está puto ou está puto ou está muito puto, tanto faz, começa a chamar as pessoas não pelo quem é quem na bodega, mas pelo critérium do span style "você sabe com quem está falando?" Assim, técnicos ou subalternos, o suborno analítico prepondera. Aderimos atavicamente. O subalterno se dá ao luxo de subir o tom de voz! Defende a incompetência com a vulgaridade!! Tenta encontrar algum gancho de grosseria na sua voz para então justificar a impossibilidade de acabar o serviço!!! Petulante a dizer que faltou luz). Débito ou crédito?

Provavelmente, na sua cabeça esculhambada você vê a gerente capturar uma meleca verde e periférica e crocante e petrificada do nariz enquanto balança a cabeça positivamente de maneira bem é isso mesmo, estimulando o seu funcionário a manter o tom duro na conversa. Frieza, frieza e paciência, você aprendeu isso depois de perder o espírito, como perderam o espirito o jeep e o jornalista do filme do kiarostami que você nem lembra o nome de tão adverbialmente puto que estava com o descaramento verbal do gago subalterno, mas sabe que é algo com vento. Não, você não só pensa nos seus iates imaginários ou na sua casinha simplesmente inexistente na serra do avarandado, para onde deseja füüft e só sair quando a cidade rachar, você pensa também em resolver o problema o mais rápido possível.

Duas horas depois lá está você em Copa. A gerente, ontem de uma gentileza capaz de adocicar cabeças terroristas, vem andando atrás da porta de vidro, supercílios de acrílico descontentes, arrastando-se com olheiras de lagarto morto e com uma franginha que nem te falo. Você não é bem vindo aqui, diz o rosto. Olhar de quem se sente ultrajada. Quem vive das chibatadas do masoquismo curte e quem é são pimba, pira, e só os fantasmas se divertem.


Signifrito Figueiroa

2 comentários:

Mariana Kaufman disse...

linda e afiada crônica! ando querendo conseguir escrever uma crônica assim...

e enquanto isso o hd cheio e estourado pifa e não deixa espaço para se criar mais nada... ; )

Unknown disse...

Esse tema, é um dos que me é mais caro, na sociedade carioca pós-anos 80. Como diria Morrinson: "It's the End". Não entrarei em detalhes, por que só isso dá uma tese de doutorado. Mas amei como você sintetizou uma realidade pós-carioca: "A INCOPETÊNCIA SIMPÁTICA". Isso é o cotidiano dessa cidade. A técnica que havia por aqui evaporou-se. Sobrou apenas o "me engana que eu gosto"!