terça-feira, fevereiro 24, 2009

AS TORRES DA PRAÇA

Três rapazes pedem a torre de chope dentro do shopping center. O sol castiga lá fora e a praça de alimentação bomba. A cada duas ou três mesas empilhadas de gente existe erguido esse espigão de líquido amarelo. Parece ser a nova sensação mudando sutilmente paisagem tão uniforme. Aqui não se fuma e o ar condicionado não dá vazão. Quem não bebe se atraca com um sanduíche gigante de uma famosa rede de fast food. E assim dois rapazes com suas bocas cheias de um Big Mega Super Plus com tudo dentro convivem em plena harmonia a dois palmos de distância de um casal e sua torre cheia da mais nova sensação do verão. O chope ali esquenta rápido e a economia de pedir a torre é de menos de três reais. O rosto do garçom entediado enchendo mais uma das torres numa serpentina do balcão do restaurante da minha frente não nega que ele prefere mil vezes ir e voltar com sua bandeja entregando um por um os chopes solicitados. E isso não tem absolutamente nada a ver com os trinta centavos que ele deixa de ganhar a cada sete minutos perdidos na enfadonha obrigação de encher a torre para mais uma mesa sedenta.

Eu, também cheia de tédio, tenho que esperar. As ordens foram essas e há quatro dias fico uma média de quatro horas sentada numa das mesas dessa praça de alimentação sorvendo expressos e observando. Não sinto fome e tudo o que eu devorei até agora foram quatro livros. Acho que estou começando a levantar suspeitas, pois desde ontem os garçons me olham com olhos desconfiados. Eu só tomo café e observo entre um e outro capítulo que folheio dos velhos clássicos que eu trouxe comigo nessa minha missão. Às vezes saio para fumar um cigarro, mas sempre volto ao meu posto. Quando vejo que tomaram a minha mesa já de estimação e tão estrategicamente escolhida eu me irrito. Da última vez que isso aconteceu, coisa de duas horas atrás, a moça do quiosque do café percebeu e num ato de surpreendente e inesperada cumplicidade (será que ela sabe?) me serviu um expresso sem eu mesma solicitar. Tomei-o em pé assistindo as duas adolescentes sentadas na minha mesa que acabavam com seus sorvetes de baunilha na casquinha do fast food e riam risinhos frenéticos enquanto um jovem de jeans rasgados passava por elas.

Agora, de volta ao meu lugar, observo que acabou de chegar numa alegre e descontraída mesa à minha frente uma torre de um tipo que eu ainda não havia tomado conhecimento. Uma torre cheia de um líquido negro. Imponente. O chope escuro, servido assim dessa maneira, me parece estranhamente sedutor. Um dos rapazes sentados na mesa pensa que meu olhar instigado é para ele e sorri maliciosamente. Cogito pedir um chope para mim, mas não sei se devo. O casal que vive na mesma situação que eu e que se sitiou na mesa oposta ao lado da praça de alimentação escolhido por mim é sempre muito comportado. Ninguém sabe o que nos trouxe aqui e eu sei que eu com meus hábitos de sorver expressos, devorar livros, sair para fumar cigarros e agora escrever autisticamente nesse bloco pautado levanto muito mais suspeitas do que o casal que ora divide um milk shake de morango, ora uma pizza portuguesa, ora bebe sucos de polpa congelada, ora lê o jornal local do dia, ora conversam sobre sei-lá-o-quê e ora até dividem o silêncio dos enamorados simulando olhares lânguidos um para o outro. Eu, por outro lado, estou sozinha nessa missão e tudo o que me resta enquanto Eles não chegam com as novas diretrizes é contar as torres de chope que desfilam na minha frente e observar o movimento tão uniforme e ainda assim bizarramente humano da praça de alimentação desse shopping center. Enquanto isso eu sorvo expressos e devoro clássicos como se fossem descartáveis, como tudo aparenta ser a minha volta neste exato momento. Com sorte uma indigestão me tira desse jogo.

Barbara Kahane

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