terça-feira, outubro 31, 2006

Embaraços

Ela está na rua desde nove, e eu na cama desde terça. Mas como não desejo repercutir como lamento em têmporas dominicais ou como cinza-pólvora de um fim fajuto, e mesmo porque acabo de começar ouvindo violas matinais do sertão que acalmam qualquer pífio reclame, contarei prontamente, daqui do pronto-socorro em ritmo de festa pré-papinha que comerei, pitorescas anedotas, ansiolíticas como corpos nus de Gauguin no Taiti, imaginando as peripécias do desterro deste ex-especulador da bolsa de valores, deste Paul que se picou primeiro pro Panamá encucado de bons selvagens, e depois, já berrante como o povaréu do baile de sábado no sol de carnaval, pobre e só, para ainda mais longe. Começarei, mesmo tendo levado um fora da Pandora que amava era Gomorra em plena ladeira do Oriente, e apesar deste colchão duro e desta cabeça que não repousa em travesseiros de pena de ganso, mas sim à sombra de pós-pássaros em fronha, jazigo aéreo:

Primeiro embaraço:

Balofas dizia:

- Estou extremamente lúcido da enroscada em que me meti nascendo.

Bulhufas respondia:

- Sim, mas avança logo, que atrás buzinam!

Bulhufas continua perdiz:

- Tente algo novo então, à esquerda agora, como acender a cigarrilha com o antebraço Mahler dos outros, vai reto... Ou melhor, leve 85g de miojo magi e pague apenas 76,5g, pode parar aqui.. Ou em vez de despelar tomates gnt aos sábados, é no quinto andar, adoro elevadores madeira!, compre molho de atum para macarrão sabor estrogonofe, e chame os amigos para um jantar divertido, nutritivo e bem real. Din-don!

Balofas impaciente treplica treblinca na festa (quesito humanidade: SEIS, quesito humor: MEIO) :

... - :)

... ¨> humm, pastinhas!

...-_- tumks tumks tumks

... ó lá! Olha issooo...Oi!

... :0)(0:.)(.O..*..)(..... Xispa daqui, carinha!

Segundo embaraço:

E às 6h30min da manhã, Joca, vindo de uma madrugada maratona de trabalho café KABUMM, radiante e estroboscópico pelo rendimento, vê seu tio no corredor azul bem vindo de prenha aurora, que levantara não para o dia, mas para uma breve visita ao banheiro, e lhe diz: “Boa noite, tio!” O tio, em plena balançadinha de porta aberta, replica um "opa" distante, concentrado que estava em voltar ao sonho picante do qual fora expelido a pouco, esperando poder juntar-se a seu curso flux flux de novo mais mais, embolar-se malandro nelas todas até o inevitável raiou mais um dia de trabalho, reclames, pivetes, beijos e vinhos, cobertores e sonho.

2.1. O hotel dos sonhos: ligamos e reservamos com a doce voz da recepção um sonho para a noite (para os homens, uma santa melindrosa madrugada, manjares, doces, e para as mulheres...bom, os homens dessas que se cuidem de manhã (e tratem de esconder bem seus números para futuras reservas), porque de qualquer forma elas sempre sonham que eles estão fazendo sacanagem, e da grossa ardente, e não com elas, ou se com elas, elas não dirão, por lembrarem-se em uivos do pesadelo supra citado... então, das duas uma, ou dá briga matinal (café fervente na fuça é mais cinematográfico – estilo “cinema bom é muita ação, e da extremada por favor, sem pazes de comédia romântica”) ou então “Você gosta de mim? Sonhei com Cicrana, Fulana e Beltrana Lee chupando seu pau...seu filho de uma égua....Aí você, olhando calado nos olhos dela, imagina, desesperado de estar imaginando isto, sua mãe preparando bolinhos de mel no hotel dos sonhos pra você.

...

...

...

...Sonhos facultativos de uma aula em véspera:

- Aquele verde foi a gota d´água, te digo. Derrubei no espalhafato de sair duas carteiras, ferrei meu dedão na outra, num tropeço digno de slow motion dário argento, close de boca com salsinha do almoço no canino, som-sincronia cavernosa de Pé-Grande agonizante. Destratei querendo: "Nem rizoma do Deleuze nem cobrinha do Didi! Machado neles, professora!” Ainda caindo tive tempo de num lance de balé braçal ligeiro desdobrar-los apoiando a mão na maçã newtoniana que era a cabeça sarárá da baleia sentada na rota do meu tombo, e de ver esverdear num rabisco elíptico as sílabas rechonchudas do cardume de anotações cuidadosas da orca solícita, nadando itálico no caderno tilibra. Ela agora deve ainda emitir seu chamado agudo das entranhas. Ela que até então, lingüinha-no-beiço superior se detinha em destacar "rizoma" com seu marcador verde claro novo. Do si do signo, So de Sodoma, cho da embalagem de choquito e ventilador ruidoso, cheguei curvado ao peito perfeito da Sílvia (aplausos, abrem-se cortinas), enfim despertando, no estrondo, do sono em que parece sempre mergulhada nas aulas, intervalos e ocasionais piadas que conto inútil. (quem já esteve em câmera lenta sabe que lá caberão detalhes, como quando calmo e cativante um mestre dilata-se no prazer de edulcorar duas horas de aula num calor de Gana do Rio a navegar vagaroso da nau prosódica de Proust ao pêndulo de ansiolíticos alunares, sempre em brisa leve)

Terceiro embaraço:

Casos na tarde besta (ou no jubilante intervalo entre duas gloriosas aulas, pra não parecer mais desocupado e besta do que a tarde):

- Fui fazer compras - um maço de Marlborão (e saibam do light que ninguém o pede pelo diminutivo): Opa, boa tarde! Um maço de Marlboro, por favor. O jornaleiro, ou o filho, ou o sobrinho deste - nunca vi dono de banca novo - se atrapalha um pouco (é o sobrinho, com certeza, o pai deve estar por aí na limonada branquinha, e o filho já o teria substituído alguma vez e manjaria do prontamente achar) até achá-lo, Carmen, meu maço, the last. Dou três reais, ele me devolve 75 centavos: uma moeda de 50 e outra de 25, e eu, num lampejo de honestidade modelo (acorde sertanejo maior ao fundo para validar tal besteirosa nomenclatura), lhe devolvo os 25 que supunha virem a mais. Pequeno sorriso, boa tarde! Dou três passos e lembro que o preço do maço aumentou de 2,50 para 2,75...bom...já fui honesto demais três passos atrás, não volto, vou pra aula.

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Quarto embaraço:

Trata-se de uma banca na Sete de Setembro que vende convites de casamento. Um possível noivo aflito ali os compra, é amigo do jornaleiro, e poupa o restante do montante pra conversas pré-nupciais regadas a limonada transparente com o Freitas:

- Não sei se quero casar, Freitas...acho que fui meio precipitado, sabe?

- Casar é bom, ter filho dá rumo, e o patrão adocica, te promove.

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Quinto embaraço:

Um empreiteiro vasculha Botafogo quando para em frente a uma charmosa casa, casa de repouso. Da entrada vê sair um velhinho bem velhinho na cadeira de rodas, empurrada por uma enfermeira negra sorridente, de toca branca fina e alvo avental. Ela acalma o velhinho que por três vezes grita subwoofer “Porra!, Porra! Porra!” e depois mostra às suas rodas pernas cabeça mãe negra amiga, como criança um machucado feio, seu dedo retorcido rijo pelo Mal de Auseimer. Pára-o fixo ao ventinho que vinha de dentro, que vinha de dentro como de dentro a novela continuava a ser resumida aos berros por outra enfermeira, invisível. O velhinho segura o braço da enfermeira, visivelmente atenta aos berros, e afoito, devagar bem devagar, sem achar força de ser afoito bem afoito mesmo, esboça em subgesto rancor. A enfermeira se abaixa um pouco quando o velho quer levantar. “O que que é meu velho? Quer levantar? Quer ir aonde?”. E então o empreiteiro vê Freitas gamando em Janaína, que passa charmosa ao lado alou, lenta vendo a cena ao celular, gesticulando com a não desocupada mão toda a combinatória das coisas de uma fulanos futura noite.

...

Embaraço de sexta-feira:

O avô desliga a TV da sala e diz ao neto:

- Joca, na minha cota de terra quero um exército de terra-cota, anota.

A. Malbouisson



Um comentário:

Anônimo disse...

adorei! o embaraço da escolha... que já não é mais isso... já li antes do email! sei lá, só pra "movimentar" os comments, se bem que já tem um outro... e se bem que já nem sei mais...