terça-feira, outubro 17, 2006

Bulhufas e Balofas nadando num campo semântico ridículo


Bulhufas e Balofas nadando num campo semântico ridículo

Pedaço de nervo

1

(Sábado nublado na rua. No céu, talvez boeings passem. Nas janelas idosas se lixam. Nas portarias, porcelanas decoram e porteiros se ausentam. Uma ratazana desvia-se de três flanelinhas que a apelidam de Rosa, e a aeromoça quer casar enquanto serve fatias de abacaxi à freira. Poucos carros passam, setecentos e trinta e sete estacionados. Bulhufas os conta e os ama, indistintamente, dizendo que são “de um cubismo melancólico, obsoleto e familiar”. Boa sorte pra ele)

Ba

- Que é isso saindo do meu trago-tropeço? Assim degenerado como vou, caindo, deve ser um trecho do meu cérebro, um pedaço de nervo rosa-mocotó que cumpria aflito seu indigno papel nas trincheiras neuro-práticas.

Bu

- É...e ao que parece ele desertou, catapultando-se pra cá nesse tobagã traquéia de pigarro. Você devia saber que trampar na linha de frente de uma fábrica dessas não deve ser mole, tua cabeça escarlate, é bomba, seja o nervo herói, figurante ou sindicalista. Asseguro-te que ele e seus companheiros de setor já te haviam requisitado a adoção de um rodízio de funções bélicas com as varejeiras estocadas na retaguarda, ou com as caranguejeiras vermelhas entocadas no almoxarifado do sangue frio.

Ba

- Você quer insinuar desse teu jeito merda que não estou bem?

Bu

- Kind of, repara: você diz insinuar quando nada insinuei. Afirmo-te categoricamente, há semanas, aliás, desde sempre, que é imprescindível entender os números dos boletins escolares e dos resultados dos exames médicos. Se soubesses analisá-los, reconhecerias que o quadro que temos aqui, clínico, agora, cheio de penduricalhos, hoje, caros telespectadores...hoje teremos no nosso programa uma pessoa fantástica....olha queridos, eu não costumo abrir a boca pra enaltecer ninguém assim....mas esse cidadão que vem aqui hoje merece...eu confesso a vocês que este artista ímpar me inspirou e espirrou pó de fama vicejante em toda uma geração de clowns, claro que às custas de violenta dedicação, irrefreável perseverança, suspeitas depilações e turbinada humildade, traços desse gênio inconteste, ídolo popular e acima de tudo, um modelo vivo para as vindouras gerações do tablado. Aí vem ele! Preparem-se! Fujam! Com vocês...o figurante!

Ba

- Menos, menos afoito, volta, que assim ninguém ri!

Bu

- Não é essa minha intenção, teu caso não pra é rir, é quarentena pura, com gotículas de tortura chinesa tardia. Vagando de capuz sem fio em gélidas planícies brancas, pensas que o eco das Guerras Pingüílicas é um convite feminino ao tórrido strip-xadrez. Não é, mas se coloco algo em caixa alta talvez chegues ao sol, e os pingüins serão sereias calipígias... Bem[A1] , voltando, e resumindo: veja só, é que você não tem nem espelho no quarto, e na cabeça não tem mais essa lesma babada que desliza agora gosmenta pelo teu indicador. Esse glorioso limacídeo conectava as coisas que você percebia ao que elas devem ser (servente não é sorvete, nem ralo, brócolis), e sem ele você amarra mal pontas polares de idéias, reconstrói pontes de pó, infla e estoura bolhas beges de noções bichadas, e teu raciocínio descola, escapa triste, vaza, transborda. Olha só o caminho que fizemos, está todo emporcalhado de idéias incompletas que escorrem sem parar do teu ouvido, daria até pra untar uma fôrma de pão de queijo gigante com elas. Vamos com calma. Sugiro-te, se assim preferires, esta versão, mais branda[A2] , e na segunda pessoa: a deserção desta lesma safada te destrava a engrenagem otimista. Vai ver ela era um tumor maligno de pessimismo galopante, que fuzilado de pósitrons festivos, abriu janelas para deslumbrantes paisagens, com algumas pedrinhas lisas à beira de um lago, para ricochetes, se quiseres. Andas lendo auto-ajuda demais, que eu sei, tá na testa, coisas do tipo: "Faça do sofrimento um motivo a mais para sair caminhando. Faça das tristezas, das agruras do dia-a-dia, aquela alavanca que faltava para o impulso que leva à felicidade. Faça do desânimo um motivo a mais para encontrar a vontade escondida, deixada num canto, esquecida.” ...

Ba

- Esse é um trecho de um livro teu!

Bu

- É, eu sei, essa parte ficou na minha cabeça. Ruminei-a, ruminei-a, ruminei-a, e agora caminho o dia todo sem parar, estou construindo uma alavanca de assaltos e desencontros, e meu desânimo achou minha vontade jogando xadrez com frias aranhas lésbicas. Ah! E também descobri que para ser feliz numa terça à tarde, nada melhor do que as deliciosas entrevistas-relâmpago com atores de penteados lisérgicos e arrojados, jovens chefes em voga ou obesos decoradores de casamento, que enquanto esperam a vez no consultório dentário, citam elegantemente Bohr, Lorca ou Borges: “Existe uma dignidade na derrota que dificilmente se encontra na vitória”. Tocante, oásis de sabedoria em meio à semana agreste. A frase provavelmente não é assim, e nem ela, nem conselhos ou presunções farão sentido na próxima xícara de café expresso num sábado de ressaca.

2

(na altura do supermercado Pão de Açúcar é a fome grande que chega)

Ba

- Mas vem cá, “kind of”? Que porra é essa? Tu sabes onde estamos?

Bu

- Onde? Com minha amada adentrando o mar revolto após uma manhã de amor? Na boca do tubo de ventilação das Sendas, olhando telhados e pássaros ensolarados e percebendo repentinamente que o uso da segunda pessoa aqui é ridículo?

Ba

- Não, olha o vento, estamos no caminho do mar, no Flamengo, em direção à Glória, há horas. Aliás, que tal passar na Rotisseria, comer um kibe?

Bu

- Tô sem um puto tá meio longe e não gosto de kibe pra dizer a verdade. E parece que trocaram o esfiheiro de lá, você soube?

Ba

- Não, pra não dizer a mentira, trocaram o esfiheiro do árabe da Cobal, o de lá ainda é o mesmo, esquerda ou direita, pela frente ou por trás, a cozinha é um forno fértil só. E vejo lá todo um povo adorador da esfera da direita, digo, da esfiha de verdura, que não passa de acelga de ponta a ponta.... que é boa é, mas daí ser pesca-papo o tempo todo nas conversas já é demais ... e você quer saber, querer saber dos bastidores da Rotisseria é abandonar-se demais à contemplação desinteressada das historietas cotidianas, e a improdutividade assim reinará, amém. Mas esquece, a má divagação é pior do que o filme do Almodóvar, e este blá blá blá, enquanto aquela blé blé blé.....tô cansado. Sabe “As vitrines”, do Chico?

Bu

- Sei, que tem?

Ba

- Então, pensa na melodia inicial da voz cantando isso aqui:

Rotisseria

Cada kibão

Eu como um dia, depois outro dia

Kafta com pão

Árabe preste atenção

Dá-se uma mordida na esfiha

De carne na tarde

Pingando limão

Ah! O Kafta é pra ler como se tivesse um i entre o f e o t.

Bu

- É aquela idéia do guia gastronômico do Rio através das paródias de clássicos? Você anda com isso no bolso, é?

Ba

- Lembra?

Bu

- Um dia isso sai do papel...mas vem cá... uma perguntinha...por que cargas d´água pesca-papo? Que gíria é essa? Pesca-papo não dá, não há grupo que acate, rodinha que aceite nem tertúlia que cite, é solto, aleatório, um tanto besta, abacate...

Ba

- Ô Da Puta, cultivar babosas é o caminho, já te disse que envelhecendo há de se irrigar arte ou chover relatórios, assim, estas singelas babosas verdes hão de crescer e virar imponentes baboseiras coradas.......acho que vai chover.

Bu

-Llamas, então, vamos no Llamas!

Ba

- Ah! O Llamas e seus cronistas de espelhos, procurando bucetas e só topando jubartes.

Bu

- Não, eles estão apenas ajeitando suas jubas no espelho.

Ba

- Aqui?

Bu

- Aqui tá bom.

Ba

- Opa! Dois chopes e uma porção de bolinho de bacalhau, por favor...e rápido, que meu amigo aqui sem cevada enferruja, e além do mais, coitado, uns marginais vestidos de branco deram-lhe um porre feio de glicose na veia, muito feio.......olha só, nem meio minuto sentado à mesa, olha como ela já está toda rabiscada! Sem chope ele vai começar o rococó nas profiteroles do espelho!

Bom...

- Alô? Fala Barril! Estamos eu e Balofas aqui no Llamas, chega aí?

É...

- Tá vendo, ele já está chamando o Barril pra cá!

Garçon

- Vocês estão bem idiotas hoje, hein?

Olha

- Os idiotas são grandes pessoas, e bateriam com a testa no corredor rebaixado da entrada.

Maître

- Ok, ok... e vossas jubas, como estão?

Pessoas (Bu)

- A dele casou-se com Dr. Glitergel e tiveram três filhinhos: Topete Nervoso, Cabelosa Insolente e Mulet Namoda.

Tem (garçom)

- Eles vêem?

Prazo

- Não, um parafuso safado fugiu da Máquina do Tempo.


[A1]piano cabaré

[A2]Brian eno

Augusto Malbouisson

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