sábado, junho 26, 2010

A FOME E A PREGUIÇA

(para ler neste tom)



Tenho muita fome e o Brasil está parado. Tenho muita preguiça e me ligam e me acham online e me chamam para rua. Tenho fome e preguiça e Tom chora Luiza junto com Edu e eu não tenho ninguém para chorar, mas ouço. Agora também tem Chico e o choro é bandido. Tenho fome e não importa, são bonitas as canções. Nada mais importa. Nada. Nem minha fome, nem minha preguiça, nem o zero a zero do Brasil e a terra mãe. Nada mais importa.

Do outro lado da rua bebem vinho e comem carne. Do outro lado da parede um violão toca. Na cozinha o feijão vermelho está de molho. Nada irá fazer minha fome passar. Poucas coisas me fariam sair daqui. Onde já se viu essa maldita tecnologia que me faz escrever deitada? Bisbilhoto deitada. Compro uma massagem deitada. Alugo filmes deitada. Me canso muito deitada. Espero deitada. Espero muito deitada. Envelheço deitada. Ai que preguiça.

Os anos agora são dourados. Bolero nossos versos são banais. Parece que todos estão na rua. Eu deitada não tenho nem nada para curtir. Não tenho ninguém para chorar. As pessoas me querem na rua. E eu não sei o que eu faço com a minha fome na rua. Ninguém faria minha fome passar. Tenho preguiça.

Outro dia, deitada, falei alto dos meus sonhos. A voz de trás me deu a entender que era reflexo da minha covardia. Quando eu disse que não havia problema nenhum em ser covarde a voz de trás riu. Riem de mim deitada. Riem da minha covardia. Assim a vida não vai para frente... foda-se, nunca entendi direito essa expressão.

Roberto agora entrou na roda. Eu nunca sonhei com você. A voz de trás ri. Quando João canta ele diz que fatalmente iria sofrer tanta dor pra no fim te perder. Eu prefiro assim, mas essa não dá para ouvir deitada.

Mesmo com toda picanha a gente vai levando. Para eu comer dessa carne terei que atravessar a rua. O telefone toca de novo. Me querem fora daqui. Me querem. Eu não quero ninguém. Tenho preguiça e uma fome insaciável, mas tá tudo ok, são bonitas as canções.

Tem gente que nasce assim.
BARBARA KAHANE

2 comentários:

Mariana Kaufman disse...

puta que pariu!

deitada, em pé, com fome, com sede
com vazio que não cabe nem picanha, nem luisas, nem tons, nem chicos, nem... talvez sempre caiba um joão. e apreguiça nossa que a gente vai levado.

puta que pariu, vc cisma em me fazer chorar (e isso é muito bom)!

lindo barbarela...

Jana Hauser disse...

Muito bonito, Barbara! Voce tem uma sensibilidade incrivel. Adoro seus textos! Muito femininos, muito masculinos, sempre versateis, com um ponto de vista.
E muito boa a sensacao da leitura com trilha sonora. Instalacao virtual!