Estou no carro com Luciana, Marcella, Maria Clara e Monique. Conversamos sobre a possibilidade de entrevistar Dean Martin para nosso filme. O carro sacoleja e eu me preocupo em não derramar a cerveja da latinha cheia que seguro numa das mãos. Por mais que eu beba a lata permanece cheia até a boca e eu mal consigo me concentrar na conversa sobre a possível entrevista que almejamos conseguir para nosso documentário porque a cada sacolejada que o carro dá nas intermitentes curvas, eu temo pelo acento do carro e pelos vestidos floridos de Marcella e Luciana que sentam cada uma num dos meus lados no banco detrás.
No meio da Lagoa Rodrigo de Freitas está prostrada à deriva a gigante árvore de Natal do Bradesco. Nos perguntamos o que aquela árvore ainda faz ali, já que é véspera dos dias dos namorados. Alguém explica que leu não sei aonde que os custos para tirá-la da Lagoa iriam ser tão altos que esse ano haviam resolvido apenas apaga-la no dia de Reis. O prefeito da cidade, por aqueles dias, havia dado a ordem de reacender a monstruosa árvore em boas vindas a Dean Martin, o que eu acho ser de uma cafonice grotesca. Conforme o carro contorna a Lagoa ainda me admiro de não ter percebido antes aquela árvore ali, mesmo que apagada. Ela é um verdadeiro monstro vermelho e rosa, cheia de corações piscantes. Mesmo de dia sem as milhares de luzes acesas a árvore certamente chama atenção, mas essa é a primeira vez que eu noto a permanência dela na Lagoa depois das festas de fim de ano, o que me faz ficar assustada com a minha desatenção até esse dia de junho em que a árvore volta a se acender,e só assim se fazer reparada por mim, para receber o cantor internacional.
Resolvemos parar num estacionamento em que o flanelinha banguela ajuda a Clara estacionar o carro com movimentos bruscos das mãos. Alguém fala em tomar um trago num daqueles restaurantes quiosques metidos a hype da Lagoa. Estou ansiosa para chegar perto do palco mas o relógio mostra que ainda falta um tanto para a hora do início do espetáculo, então concordo de bom grado beber um chope antes de ir ver Dean Martin cantar.
Fazemos o nosso pedido, mas uma garçonete magricela usando um avental preto insiste para que tomemos margueritas. Ela é muito eloqüente e nos convence. Esse é o dia da marguerita no bar e o preço dela está mais barato que o chope. Pedimos uma rodada de margueritas. A cerveja da minha lata já está quente e choca, mas por mais que eu de longos goles o liquido no recipiente de alumínio parece nunca diminuir. Peço para um garçom magricelo com pinta de asmático levar minha lata, mas ele me aconselha a deixá-la na mesa, pois o restaurante está em falta de cinzeiros.
As margueritas chegam em copos enormes e com guardas chuvas de papel azuis mergulhados em cada um dos drinks. Começamos a rir tanto que mal conseguimos provar nossas bebidas. Um maitre magricelo e de longos bigodes vem saber o que está acontecendo e se desculpa de maneira deveras submissa em nome da garçonete eloqüente. Dizemos que não tem problema, que está tudo ótimo e que estamos apenas felizes, pois iremos assistir Dean Martin cantar. O maitre de longos bigodes abre os olhos espantado e sai de maneira apressada puxando o garçom de porte asmático em direção ao balcão do bar. Dali a pouco os dois voltam. O garçom que parece ser asmático segura de maneira imponente uma bandeja redonda. Em cima da bandeja eu reconheço um uísque caríssimo, mas não consigo me lembrar o nome dele e o título no rótulo se apresenta com letras um tanto embaçadas. O maitre nos oferece o uísque como cortesia. Ele diz que se vamos ver o Dean Martin cantar temos que estar na mesma sintonia do cantor. O maitre com longos bigodes nos confidencia que ele próprio foi o responsável em abastecer o camarim de Dino com quatro caixas daquele néctar dos deuses. Nós brindamos e bebemos, mas Marcella faz cara feia para seu scotch, pois ela odeia uísque. Penso em chamar o Daniel por meu celular para vir beber o drink da Marcella, pois tenho medo que o maitre de longos bigodes pense que nós estamos fazendo desfeita à sua cortesia.
Pego meu celular na minha bolsa e peço licença da mesa para procurar um canto mais silencioso para efetuar a ligação. Aperto a letra d na agenda do meu celular e o nome de Daniel aparece no visor. Clico send e quando coloco o telefone no ouvido a ligação já esta sendo realizada. O telefone de Daniel toca duas vezes antes de alguém atender. A voz bêbada do outro lado da linha não é a do Daniel. Pergunto quem fala e a voz do outro lado da linha não fala nada que faça sentido. Finalmente reconheço a voz de André, que continua balbuciando sentenças sem nenhum significado. O lugar que ele está é muito barulhento e a ligação corta um pouco. André começa a falar coerentemente e sua primeira pergunta é onde diabos eu me encontro. André me pergunta por que ainda não cheguei ao show do Dean Martin. Reconheço, então, o barulho que vem do outro lado da linha. É a voz de Dino cantando! Me emputeço porque o show claramente já começou e eu estou num bar cheio de atendentes magricelos que nos enfiam margueritas goela abaixo. André diz para eu me apressar, pois o show está muito vazio e eles estão em um lugar ótimo. Da onde eles estão eles podem pedir suas músicas favoritas a Dean Martin e o cantor atende todos os pedidos. André ainda diz que Dino encerrará o show cantando parabéns para ele. Me lembro que me esqueci de parabenizar André por seu aniversário assim que reconheci sua voz no telefone e sinto culpa.
Corro para mesa a fim de apressar as meninas. O maitre de longos bigodes está sentado em meu lugar, abraçado a garrafa do uísque caríssimo. Ele se encontra bêbado e minhas amigas se divertem com suas histórias sem sentido. Aviso que o show começou, mas nenhuma delas acredita em mim. Peço para que todos façam silêncio, talvez dali possamos ouvir alguma coisa do show e eu possa provar que o espetáculo efetivamente se iniciou. Fazemos silêncio e aos poucos o som de uma canção cantada por Dean Martin invade o lugar. Faço cara de “não disse?” e começo a correr em direção ao som. Luciana. Marcella, Maria Clara e Monique me seguem. Depois de um caminho escuro chegamos às costas de um outro quiosque. O som de Dino cantando parece vir dali, o que eu acho deveras improvável apesar da evidencia sonora que nos leva aquele outro bar à beira da Lagoa.
Entramos no bar e eu percebo que quem canta é um velho hippie sentado num banco em cima de um pequeno tablado. O velho hippie tem longos cabelos grisalhos, óculos escuros, camiseta tingida caseiramente e jaqueta jeans surrada de modelo sessentista. Fico impressionada com a semelhança do timbre da voz dele com a de Dino. Mas a imagem do velho hippie não condiz nada com o gênero de música que ele insiste em cantar. Penso que como os acontecimentos que sucedem nessa noite são de peculiaridade ímpar, corre o risco de chegarmos ao palco e encontrarmos Dean Martin cantando como Joni Mitchell, Paul Simon, Donovan ou algo que o valha. Me divirto alguns segundos nesse devaneio e quando dou por mim estou sozinha no restaurante acompanhada somente de meu sorriso bobo na cara. Minhas amigas sumiram, o velho hippie também sumiu.
Meu telefone começa a tocar. Pesco-o na minha bolsa e olho o visor para saber quem é antes de atender. O visor indica que é o Augusto e eu atendo. Augusto me pergunta onde eu estou ao que respondo que estou à horas tentando chegar ao show do Dean Martin, mas que tenho medo do show já ter terminado. Augusto me pergunta se eu tenho certeza se o show que eu pretendo chegar é mesmo do Dean Martin, pois ele acha que o cantor está morto a pelo menos meia década. Quando ele questiona a sobrevivência de Dino eu me lembro que Dean Martin realmente está morto e começo a rir. Me admira como ele morto conseguiu enganar tanta gente. Dean Martin é mesmo demais, nem Frank Sinatra havia pensado algo assim antes. Depois de conversamos sobre a genialidade do último ato de Dino, Augusto me diz que na verdade a razão do telefonema é a sua constatação que faz tempo que nenhum de nós posta uma mísera linha no pescotexto. Falo para Augusto que vou para casa nesse momento acabar de escrever uma crônica supimpa que venho trabalhando nos últimos dias, mas é mentira. Na minha cabeça não tem nada, nada, nada, nada, nada, nada,
B.K
sexta-feira, junho 15, 2007
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Um comentário:
hahahaha, caraca, acho que tinha esquecido de ler este! tá demais!!! hahahaha : )
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