terça-feira, novembro 21, 2006

Rio, 15 de novembro de 2006

A.,

infelizmente não vai ser possível postar um texto hoje pois aconteceu um incidente um tanto bizarro que me impediu de, nos últimos dias, me concentrar em qualquer tipo de tentativa de fazer uma escrita perspicaz ou, no mínimo, aceitável para o nosso pescotexto.

João desapareceu. Na verdade não sei se João desapareceu ou simplesmente se fugiu. A segunda hipótese é deveras improvável e também a que mais me dói, mas minha intuição insiste em sinalizar que sim, João fugiu de mim. Imagino agora você lendo essas linhas e se perguntando quem raio é João?, portanto tratarei de contar a história a partir do começo.

Quando há exatos dois meses decidimos, namesadotiosamentreoprimeiroesegundo-

chope, que finalmente colocaríamos nossos lindos rostinhos a tapa e, naquela mesma madrugada, você correu para sua casa, criou o pescotexto e imediatamente postou seu acidente, eu pretendia escavar alguma coisa dos meus arquivos reais e virtuais e colaborar com o blog o mais rápido possível. Mas não foi possível. Uma das coisas abordadas por mim no meu primeiro texto postado foi a minha total insatisfação e mesmo a minha vergonha ao reler tudo aquilo um dia redigido por mim e guardado em pastas, cadernos velhos e memórias de hd. Escrevi, então, um texto novo me desculpando por não ter nada velho que valesse a pena e inaugurei assim a minha participação na nossa página. Bem, A., a verdade é que, nesse ponto, eu estava mentindo.

Na minha procura por alguma história, relato, situação ou sensação que eu tivesse algum dia elaborado em palavras escritas, eu achei João. Entre um papel e outro amarelado estava ele lá. Eu não me lembrava de João e mal conseguia identificar a época em que eu o havia criado. Mas relendo as linhas que o compunham eu não só conheci João de novo como me reconheci na figura dele. João se apresentava como um personagem interessante, mas na época decidi não usá-lo porque sua composição era um tanto dramática para ser o meu texto número um de nossa nova empreitada. Resolvi guardá-lo de volta à pasta e fazer uso de sua história numa outra ocasião, quando nossa rotina de escrita estivesse minimamente consolidada. As palavras e frases usadas por mim para falar de João precisavam também de uma severa revisão e a narrativa estava incompleta. Eu sabia que mais cedo ou mais tarde eu teria que mostrar João, fazê-lo público, mas aquele momento não parecia ser o mais propício para isso. João voltou à pilha de papéis velhos com a minha promessa de que logo ele sairia dali para a tela do computador e daí para o mundo, mas alguma coisa aconteceu.

Para falar a verdade desde esse dia eu não pensei em João, os textos que seguiram o primeiro me pareceram mais urgentes e por isso criei teresa e sua obsessão por carrinhos de brinquedo e elucubrei sobre as ternuras que momentos casuais me inspiram. Mas conforme o prazo para nossa próxima publicação ia acabando João começou a me vir sistematicamente à cabeça e me fez concluir que agora seria o momento certo de libertá-lo.

Dias atrás num momento de disposição de tempo e de vontade criativa vasculhei minha pastinha de papel caindo aos pedaços à procura de João. Sentia que aquele era um bom dia para corrigir os erros que rondavam o personagem e concluir a sua história. Sentia que sabia exatamente o que deveria ser feito de João e quase conseguia perceber a razão de um dia eu tê-lo feito existir. Queria mostrar João ao mundo e queria ver meu nome lá, depois do ponto final da última palavra demonstrando que eu, b.k., havia feito João. Que ele era um pouco de mim. Mas João sumiu. Na pasta encontrei apenas as palavras que me constrangeram há dois meses e que continuam me constrangendo mas João, a única coisa que me parecia relativamente boa, não estava mais lá. João havia desaparecido.

Desde então tenho pensado muito em João. Tentei partir do zero e recriá-lo, mas o resultado não me pareceu certo. O resultado não me pareceu João. Pode até ser que no futuro eu poste um texto falando de um tal Alberto, mas Alberto não tem nada a ver com João. Alberto é uma tentativa torta de ser João por isso não me sinto confortável em publicar agora o relato desse farsante. Eu queria falar de João mas João sumiu de mim.

Já aconteceu algo parecido com você, A.? Você já teve algum personagem que simplesmente desaparecesse? Para onde será que vão os personagens que desaparecem, A.? A mesma intuição que me diz que João fugiu me diz também que ele não morreu. Eu sei que João está vivo mas onde será que o danado se meteu?

Pensando nessa situação me vem uma inevitável tendência à auto comiseração. Penso em coisas do tipo: até os personagens criados por mim me abandonam ou eu devo mesmo ser uma mala sem alça para fazer debandar até uma coisa que nasceu dentro da minha cabeça ou mesmo eu já sabia que não sabia me relacionar bem com pessoas de carne e osso mas ser deixada por alguém feito de imaginação é a prova cabal de minha total falta de tino com o outro e comigo mesma. Ai, ai, ai, estimado A., veja em que situação eu me encontro ao esboçar essas tortas linhas para te justificar a minha ausência do pescotexto pelos próximos dias!

Mas não se preocupe. Acho que sofrerei ainda mais uns dias a falta de João com a esperança de que ele volte, que reapareça em um outro caderno velho ou numa folha de papel esquecida dentro de alguma revista antiga que por nenhuma razão eu insisto em guardar. Se isso vier acontecer eu te prometo que serás o primeiro a conhecê-lo. Já digo de antemão que João não é dos seres mais agradáveis, mas como eu queria que ele voltasse. Como eu queria que você o conhecesse!

Acho que isso é tudo que eu queria dizer. Espero que entenda o motivo do meu silêncio nos próximos dias e juro que assim que essa angústia e ansiedade forem dissipadas com o passar incessante desses dias morosos, volto à ativa no pescotexto.

Um abraço sincero da amiga,

B.K

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