quinta-feira, novembro 27, 2008

EU TE OLHAVA ENQUANTO DESAPARECIAS

Sentada na escada da entrada Presidente Vargas do Centro Cultural Banco do Brasil deixo o sol quente bater no meu rosto. A sensação é boa

À minha esquerda, um caminhão da Cavalaria da Polícia Militar despeja cavalos na rua para as festividades do dia do Zumbi. Duas senhoras brancas vestem atrás de mim tons elegantes de vermelho e curtem o feriado fumando cigarros e jogando conversa fora. Elas comentam sobre os cavalos na Presidente Vargas. Elas seguram sacolas elegantes da Livraria da Travessa. Agora pouco, lá dentro, paquerei um livro de entrevistas com o Woody Allen que não posso comprar. Se eu deixasse de beber nos bares por apenas uma semana eu poderia comprar o livro, mas sofro de uma tremenda falta de força de vontade e, por isso, ficarei por um tempo sem muito saber o que Woody Allen poderia ter para me contar que já não está em cada um de seus filmes que eu tanto prezo e aprecio.

A força da vontade que me falta. Estou, eu, simplesmente sentada na porta do Centro Cultural do Banco do Brasil deixando o sol bater no meu rosto com cavalos à minha esquerda e duas senhoras elegantemente vestidas de vermelho fumando seus cigarros atrás de mim.

O cheiro dos cigarros das senhoras está muito presente. Mais presente do que o cheiro de pipoca do pipoqueiro à minha frente; mais presente que o cheiro forte de cavalos à minha esquerda.




Os sinos da Candelária tocam as cinco horas que chegam. Não tenho fome, nem sede, nem sono. Tenho é uma tremenda falta de força de vontade.

A polícia montada vira a Primeiro de Março chamando a atenção de todos os presentes. Agora não existem mais cavalos à esquerda, mas à minha direita um grupo sonoro de crianças sai do Centro Cultural do Banco do Brasil em algazarra. O barulho me incomoda, mas falta força de vontade para sair daqui.

As mulheres elegantes já fumaram seus cigarros e não estão mais atrás de mim. Não sei contabilizar se isso faz muito ou pouco tempo. O cheiro do cigarro, no entanto, permanece. São outros fumantes que refugiam-se como lagartos no sol quente para fumar em paz.

As crianças ainda gritam e me pego pensando em um homem com voz de uísque. Faço a memória do caos de sua música embalando sua voz rouca sobrepor à gritaria aguda e desafinada dos cabritos em berros agudos.

Tenho pensado muito em Tom Waits. Na foto dele que uso como pano de fundo no meu computador do escritório ele fuma belamente e a fumaça estática do seu trago sempre parece que vai me invadir; saindo da tela para realidade.

Esse cheiro intermitente de cigarro na porta do Centro Cultural do Banco do Brasil me lembra a foto do Tom Waits. Talvez, essa seja a real razão de eu não ter vontade nenhuma de sair daqui, apesar de não existir nenhum motivo para ficar ainda mais.

Não que eu me entretenha ao lembrar todo o sufoco que sofri no escritório nas últimas semanas, mas o jeito cool em branco e preto e o bolso de sua camisa de botão cheio de um maço cheio de cigarros que ele fuma e joga a fumaça estática na minha direção que parece que vai sair e me tragar, me acalma inexplicavelmente nos momentos de maiores tensão.

Eu pego, finalmente, um cigarro na porta do Centro Cultural Banco do Brasil e o acendo enquanto penso em Tom Waits. Sempre no escritório, quando eu desligo meu computador, eu fumo um cigarro. O último cigarro do dia com Tom Waits. Eu trago o cigarro e espero o computador desligar. Eu trago o cigarro e olho Tom Waits enquanto ele desaparece.

Hoje não vi Tom Waits porque estou aqui. O tempo está virando consideravelmente e os cavalos voltaram à Presidente Vargas. O cheiro do cigarro permanece e agora o meu ajuda a sustentar esse cheiro presente. Eu penso em Tom Waits e não tenho vontade de nada. Queria que alguém estivesse me olhando até eu finalmente desaparecer.

Barbara Kahane

2 comentários:

Mariana Kaufman disse...

eu te olho enquanto não desapareces
(apesar de tão sumida)
eu quero alguém que, se não me olha, ao menos me visse quando fechasse os olhos...

difícil ser e não ser invisível.

quero sumir
e reaparecer dentro de algum cigarro conhecido

saudade do sol quente dessas escadas.

azzi disse...

pra começar, eu amo essa música. sempre acho que tem um voyer um tanto lacivo me olhando. ou sonhando-me...
mas agora... vc será alice.