domingo, novembro 18, 2007

os olhos da medusa

E o príncipe que estava destinado a salvar a princesa “e viverem felizes para sempre” encontrou a medusa em seu caminho e, em seus olhos brancos, cor de nada, se perdeu.

Nunca tinha visto nada assim antes, nem os castelos de outros mundos, nem os deuses de sua terra, nada, nem ninguém, se assemelhava àquele olhar.

Eram olhos negros e grandes e no meio, no lugar da pupila, havia um pequeno círculo branco. Eram minúsculas bolinhas, como a ponta de um funil, e tinham o poder de sugar tudo o quanto era vida útil que lhe fitavam.

Eram olhos que não viam, não ouviam, nada, era o nada, e ao mesmo tempo, tudo ao mesmo tempo. Era o vazio pronto a preencher-se, mas também, era infinito e cabia tudo ali.

Percebeu de longe aqueles olhos e sentiu uma vontade imensa de esquecer-se, de esquecer de tudo, do caminho, da princesa. Sentiu uma vontade óbvia de perder-se. Sem nem perceber, só queria olhar naquele branco, tão branco como nada, como nem ele, nem ninguém, jamais havia visto.

Naquele branco pôde ver tudo, era o branco, a mistura do infinito, não identificava nada, mas sabia que ali, avistava o mundo todo.

Sentiu um conforto único, era de outro, não se pertencia, e o que existia ali, naquele momento, não eram princesas e monstros, reis e rainhas, amor, ódio, guerra e paz, nada disso mais fazia sentido. O que existia ali era um enorme vazio, um universo inexistente por trás daqueles olhos.

De repente, sentiu-se cachoeira, sentiu que toda a água, os rios, afluentes e sub-afluentes de seu corpo desaguavam para dentro daqueles pequenos orifícios brancos.

Foi ficando fraco, mas não percebia, pois a lentidão de todo o seu corpo provocava uma calma agradável. Ficou duro, e também não se deu conta, pois nem queria se mexer, queria aproveitar o sono que sentia e ficar ali, paradinho, bem quietinho.

Virou pedra. Também não viu.

O que sentiu foi o sono infinito. Ali dentro do seu corpo duro, rígido, seco e imóvel pôde dormir. O sono dos séculos.

Até hoje, o príncipe dorme no quentinho do seu corpo de pedra e a princesa, já faz muito tempo, superou o trauma da espera abandonada e casou-se com o dragão.

Mariana Kaufman

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