quinta-feira, novembro 29, 2007

O mau humor, a televisão e uma garganta que dói como nunca

Minha garganta dói como nunca. As teclas empoeiradas desse computador que não uso faz três meses vão deixando as pontas dos meus dedos pretas conforme eu escolho as letras que compõem essas sentenças. Tomo chá de limão, mel e alho que uma amiga fez para mim. Hoje eu consegui levantar mas minha garganta dói como nunca. Voltei para casa depois de três meses. Voltei cheia de vontades. Encontrei um quarto empoeirado, uma geladeira vazia e as mesmas roupas sujas ainda num saco plástico. Dormi depois de duas cervejas e nunca mais consegui levantar. Febre, dores, tremores. Dizem por aí que é uma virose e que muitas mulheres andaram a pegando. Três dias de cama até concordar em começar a tomar anti-inflamatório. Esperei a dipirona não fazer efeito, o paracetamol não fazer efeito até abrir mão para o anti-inflamatório que me tirou finalmente da cama. Ele e o chá de alho, limão e mel feito por uma amiga. Mas minha garganta dói como nunca e agora meu estomago começou a arder.


Assisti bastante televisão esses dias. Nada que prestasse. Todas as séries idiotas e os reality shows piores ainda. Entorpeci a cabeça já que o corpo não conseguia levantar. Cheguei a pegar alguns livros na estante mas meus braços estavam cansados demais e conforme eu ardia, as letras sambavam na página, misturando toda a história. Dediquei-me a tv arduamente. Não conseguia prestar atenção nela por mais de uma hora mas as vozes dos personagens terríveis de cada seriado me faziam companhia. Tem bastante porcaria na tv; tem umas porcarias que realmente são constrangedoras, mas as piores porcarias são as que eu efetivamente gosto. Tem também as coisas boas como uma série que eu gosto especialmente, ao ponto de adorar. Na verdade não é uma série inteira e sim um personagem específico que me seduziu e às vezes me pego em momentos do dia pensando nele. Queria que fosse possível conhece-lo. Queria que fosse possível conhecer alguém como Dr. House. Queria ter um pouquinho da capacidade dele de odiar o mundo sem culpa. Tenho inveja de House e de sua perna manca que na verdade não passa de uma muleta para ele poder fazer as coisas que faz. Queria ter uma muleta como uma perna manca e poder, assim, odiar os outros sem culpa. Mas como eu só tenho uma dor de garganta que hoje dói como nunca não posso me dar o luxo de odiar ninguém.


House agora reprisa todos os dias. Nesses dias de convalescença vejo e revejo os episódios. Até sonhei que o que eu tenho era uma doença raríssima e ele iria me diagnosticar. Fiquei esperando e ele não apareceu. Acordei molhada de suor, fedendo e ainda com muita febre. Tudo isso no meu quarto empoeirado. Na realidade, depois do sonho, só existia o meu quarto vazio e sujo. House, o doutor odioso, nunca apareceu para mim. Acordei com febre, sozinha, e uma garganta que eu achava que doía mas não era nada perto do que estou sentindo hoje. Hoje minha garganta dói como nunca.


Passei três meses trabalhando fora daqui e continuei pagando a moça que arruma a minha casa uma vez a cada quinze dias mas ela simplesmente abstraiu a existência do meu quarto durante minha ausência. Enquanto eu estava longe de casa, a moça que limpa uma vez a cada quinze dias resolveu achar que meu quarto também não estivesse. Ao retornar encontrei uma casa relativamente limpa e meu quarto afundado em poeira. Caí doente no dia seguinte e agora as pontas dos meus dedos vão ficando cada vez mas pretos enquanto eu escrevo e o desconforto na garganta piora cada vez que respiro. Na verdade estou aqui, nesse quarto, somente porque o computador se encontra no meio dessa sujeira. Nesses dias tenho ficado muito na sala que é o melhor cômodo da casa por estar relativamente limpa e possuir ventilador, além da tv a cabo ligada em uma porrada de canais inúteis mas que me fizeram companhia nesses dias reclusos.


Nem só de porcarias vive a tv por mais que eu prefira elas para me fazer companhia. Agora mesmo, por exemplo, está passando Jules et Jim no TV5 mas eu preferi vir para cá, o quarto empoeirado com computador empoeirado. Me pareceu insuportável a idéia de rever Jules et Jim agora. Eu com essa dor de garganta que dói como nunca vendo um filme legitimamente bom; e depois? Ficar sozinha com minha dor? Não dividir a experiência com ninguém? Eu não tenho problema algum em ver bons filmes sozinha. Muitas vezes acho, inclusive, essa a melhor opção para se assistir bons filmes. Mas estou a três dias sozinha. Sem falar. Sem querer falar por causa dessa dor. Minha mãe me liga, minha amiga vem fazer sopa e chá, meu primo se certifica se eu preciso de alguma coisa da padaria ou da farmácia antes de sair para o trabalho. Mas eu simplesmente não consigo desenvolver uma conversa. Falta de força. Falta, também, de um pouco de vontade. Vontade mesmo só de chegar a hora do dia de ver a reprise de House e sentir inveja dessa personagem de odiar as pessoas impunemente. Rever Jules et Jim para mim hoje não serve. Iria me dar vontade de falar e eu agora não quero e nem preciso dessa vontade. A televisão pelos próximos dois dias, possivelmente, tem que me manter sem vontade de falar. Calada. Muda. Para isso é que servem as séries idiotas e os reality shows piores ainda. Para isso que serve o dr. House e a minha crescente inveja em conseguir odiar indiscriminadamente. Paliativos para minha virose e essa dor de garganta que agora, depois das pontas dos dedos pretas, e do resto de chá de alho, limão e mel frio na caneca de cerâmica brinde assinante Net, ainda dói como nunca.

Barbara Kahane

2 comentários:

Anônimo disse...

aaaiiiii! o house...
aaiiiii! eu queria tanto q ele me diagnosticasse...
aaaaaiiii! eu queria tanto ser da equipe dele...
adorei o texto todo, lindo e necessário.
ps: já mudou de diarista?
bjs

Anônimo disse...

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